
Após ser apresentado por João Augusto, presidente da DeckDisc, - gravadora que está fazendo este mês um pequeno festival com alguns de seus artistas toda terça-feira - Vitor Araújo desce as escadas da Modern Sound em direção ao piano instalado no meio do barzinho anexo à loja de CDs.
Sem dizer nada começa a mostrar sua interpretação para "T.O.C.", de Tom Zé, que também dá nome ao seu trabalho. Após tocar a segunda música, Vitor Araujo paga um microfone, se levanta e começa a mostrar a segunda parte de sua atividade artística: a de comunicador.
Assim como Tom Zé, ele vai fazendo isso a cada uma ou duas músicas apresentadas, explicando o que tocou, o que vai tocar, impressões gerais sobre arte e vida, e principalmente, tal qual Tom Zé, vai gerando frases espirituosas e boas tiradas. O melhor exemplo, que quase passa despercebido, é quando ele diz: "como eu sou músico eu muitas vezes costumo agir duas vezes antes de pensar".

Antes de tocar a música seguinte, avisa que tocou uma do Yann Tiersen, da trilha do filme Amelie Poulain ("Comptine D'un Autre Été: L'après-midi"), diz que nunca tocou para pessoas jantando e vai tentar fazer o possível para entreter-nos.
Então anuncia que vai tocar "Samba e Amor", de Chico Buarque e lembra que "são as duas coisas essenciais, tendo samba e tendo amor, vai precisar mais de quê?".
Talvez não precise, mas é muito bem vindo a intervenção de "Hit the Road Jack", sucesso na voz de Ray Charles, no meio da música. Quando vai tocar uma composição própria ("Valsa Pra Lua"), pede para que todos prestem atenção, afinal de contas, é uma música dele e todo artista gosta que prestem atenção nas próprias músicas!

A simplicidade e facilidade que ele tem em conversar e soltar tiradas assim é impressionante, ainda mais se considerarmos que ele tem 18 anos. Mesmo que ele tivesse a idade que "Valsa da Dor" tem, seria incrível. Ao apresentar esta música, de Villa-Lobos, que ele diz ser dos anos 40 (na verdade é de 1932, mas hei, ele não foi buscar ajuda do Google pra saber isso, como eu), Vitor Araújo filosofa sobre como é fantástico em uma música tão antiga nós ainda possamos perceber, hoje, a dor que Villa-Lobos queria transmitir.
É um pouco difícil perceber a dor enquanto ainda há um certo fascínio pela forma pouco usual que Vitor apresenta as músicas. Há um certo ritmo na forma que ele toca, um grande sentido de pop e ao mesmo tempo de experimentalismo na escolha de seu repertório.
Apesar de boa parte do bom número de pessoas presentes prestar atenção, havia também alguns realmente mais preocupados em jantar, beber e conversar, o que geralmente é um tanto quanto irritante.
Mas algo dito por Vitor Araújo logo na primeira vez no microfone mudou esse panorama. Ele achava que ia ser interessante que as vozes e os talheres fossem também considerados como parte da apresentação, como fundo musical, afinal de contas tudo é música.
Vendo por esse prisma, tivemos bons acompanhamentos, entre risadas, estalos de beijos e celulares. Inclusive quando um celular deu um toque, Vitor correu rapidamente ao piano e fez as mesmas três notas do toque ("ah, esse é fácil, o compositor não foi muito inspirado", brinca).

Contando sobre o show, até agora, não seria fácil dizer que Vitor Araújo é de Pernambuco, mas quem esteve lá e ouviu ele dizendo "oxente", "Rafael (Ramos, filho de João Augusto e produtor de discos) cabra safado" e "como essa é a última música eu deixo um chêro pra vocês" não teria muitas dúvidas de suas origens nordestinas.
Antes de tocar "Paranoid Android", pede que se alguém quiser pode puxar uma cadeira para ficar mais perto e, logo após uma hesitação inicial, algumas mulheres se "aprochegam".
Aí ele diz que foi chamar justamente na hora que ia tocar uma "porrada". Fala também que o que mais ouviu na vida foi Chico Buarque e Radiohead. Explica que dividiu a música em quatro andamentos que eu, leigo completo em música erudita, não tenho coragem de aqui transcrevê-los.
Sua versão para a canção de Thom Yorke é muito boa, especialmente para quem conhece a versão original, aqui - eu não estava querendo usar essa palavra - desconstruídas em uma mistura de livres improvisações de jazz com um rigor nada rigoroso de música clássica.
Em todas as músicas Vitor Araújo mexe constantemente o corpo como embalado pela viagem produzida por suas próprias mãos. Em "Paranoid Android" ele chega imitar a forma que Thom Yorke canta, balançando a cabeça de um lado para o outro compulsivamente.

Para encerrar, toca algo que seria óbvio demais para um artista nordestino, não fosse sua interpretação totalmente original e sua explicação sobre a beleza da suposta simplicidade de "Asa Branca".
"Desafio qualquer um de vocês a fazer uma música tão genial quanto 'Asa Branca' com apenas 5 notas, como Luiz Gonzaga fez", disse um pouco depois de ter falado que nem tudo que é complexo é bonito.
Ele começa atacando as cordas do piano com as mãos para depois se sentar e ir brincando em cima das tais 5 notas. As pausas e o jeito que ele deixa algumas notas reverberando são ótimas, não parecem que foram sequer pensadas. Ele realmente parece agir duas vezes.
Quem fez a besteira de perdê-lo ontem e estiver desocupado, ele participa do programa "Sem Censura" na TV Brasil (antiga TVE) agora, às 16 horas. Mesmo que não tenha piano lá vale a pena ouvir o que ele tem a dizer.
(assim como os ruídos da platéia fizeram parte da música, nada mais justo que suas cabeças façam parte das fotos)